(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



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as imagens

 
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em movimento
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sexta-feira, agosto 08, 2003



Nas próximas duas semanas vou olhar mais para pessoas do que para monitores; falar e ouvir, mais do que ler e escrever.

Antes dos blogs e e-mails, há cartas de papel e envelope, o belo postal ilustrado, o telefone e principalmente esplanadas, restaurantes, sofás, toalhas de praia,... com pessoas de carne e osso que se podem olhar e tocar.

As utopias para estas férias incluem um areal tão vazio como este e algumas árvores ainda de pé que me façam sombra na hora da sesta.




Quando chega domingo, faço tenção de todas as coisas mais belas que um homem pode fazer na vida.

Há quem vá para o pé das águas deitar-se na areia e não pensar...

E há os que vão para o campo cheios de grandes sentimentos bucólicos porque leram, de véspera, no boletim do jornal: "Bom tempo para amanhã"...

Mas uma maioria sai para as ruas pedindo, pois nesse dia aqueles que passeiam com a mulher e os filhos são mais generosos.

Um rapaz que era pintor não disse nada a ninguém e escolheu o domingo para se matar.
Ainda hoje a família e os amigos andam pensando porque seria.
Só não relacionam que se matou num domingo!

Mariazinha Santos
(aquela que um dia se quis entregar, que era o que a família desejava, para que o seu futuro ficasse resolvido),
Mariazinha Santos, quando chega domingo, vai com uma amiga para o cinema.
Deixa que lhe apalpem as coxas e abafa os suspiros mordendo um lencinho que sua mãe lhe bordou, quando ela era ainda muito menina...

Para eu contar isto é que conheço todas as horas que fazem um dia de domingo!

À hora negra das noites frias e longas sei duma hora numa escada onde uma velha põe sua neta e vem sorrir aos homens que passam!

E a costureirinha mais honesta que eu namorei vendeu a virgindade num domingo

- porque é o dia em que estão fechadas as casas de penhores!

Há mais amargura nisto que em toda a História das Guerras.

Partindo deste princípio que os economistas desconhecem ou fingem desconhecer, eu podia destruir esta civilização capitalista, que inventou o domingo.

E esta era uma das coisas mais belas que um homem podia fazer na vida!

Então

todas as raparigas amariam no tempo próprio
e tudo seria natural
sem mendigos nas ruas nem casas de penhores...

Penso isto, e vou a grandes passadas...

E um domingo parei numa praça e pus-me a gritar o que sentia
mas todos acharam estranhos os meus modos e estranha a minha voz...

Mariazinha Santos foi para o cinema e outras menearam as ancas
- ao sol como num ritual consagrado a um deus! -
até chegar o homem bem-amado entre todos
com uma nota de cem na mão estendida...

Venha a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim resta;
e eu fique rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras;
venha a ânsia do peito para os braços!

E vou a grandes passadas
como um louco maior que a sua loucura...

O rapaz que era pintor
aconchegou-se sobre a linha férrea para que a morte o desfigurasse
e o seu corpo anónimo fosse uma bandeira trágica de revolta contra o mundo.

Mas como o rosto lhe estava intacto, vai a família ao necrotério e ficou aterrada!

Conheci-o numa noite de bebedeira
e acho tudo aquilo natural.

A costureirinha que eu namorei deixava-se ir para as ruas escuras sem nenhum receio.
Uma vez que chovia até entrámos numa escada.
Somente sequer um beijo trocámos...
E isto porque no momento próprio olhava para mim com um propósito tão sereno que eu,
que dela só desejava o corpo bom feito,
me punha a observar o outro aspecto do seu rosto,
que era aquela serenidade
de pessoa que tem a vida cheia e inteira.

No entanto, ela nunca pôs obstáculo que nesse instante as minhas mãos segurassem as suas.

Hoje encontramo-nos aí pelos cafés...
(ela está sempre com sujeitos decentes)
e quando nos fitamos nos olhos
bem lá no fundo dos olhos,
eu que sou homem nascido para fazer as coisas mais heróicas da vida
viro a cabeça para o lado e digo:
- rapaz, traz-me um café...

O meu amigo, que era pintor, contou-me numa noite de bebedeira:
- Olha,
quando chega domingo,
não há nada melhor que ir para o futebol...
E como os olhos se me enevoassem de água,
continuou com uma voz que deve ser igual à que se ouve nos sonhos:
- .... no entanto, conheço um homem que ia para a beira do rio e passava um dia inteirinho de domingo segurando uma cana donde caia um fio para a água...
... um dia pescou um peixe,
e nunca mais lá voltou...

O pior é pensar:
que hei-de fazer hoje, que toda a gente anda alegre como se fosse uma festa?...

O rapaz que era pintor sabia uma ciência rara,
tão rara e certa e maravilhosa
que deslumbrado se matou.

Pago o café e saio a grandes passadas.
Hoje e depois e todos os dias que vierem,
amo a vida mais e mais que aqueles que sabem que vão morrer amanhã!

Mariazinha Santos,
que vá para o cinema morder o lencinho que sua mãe lhe bordou...
E os senhores serenos, acompanhados da mulher e dos filhos,
que parem ao sol e joguem um tostão na mão dos pedintes.......
E a menina das horas longas e frias continue pela mão de sua avó...
E tu, que só andas com cavalheiros decentes,
ó costureirinha honesta que eu namorei um dia,
fita-me bem no fundo dos olhos,
fita-me bem no fundo dos olhos!

Então,
virá a miséria maior que todas secar o último restolho de moral que em mim resta;
e eu ficarei rude como o deserto e agreste como o recorte das altas serras:
e virá a ânsia do peito para os braços!

Domingo que vem,
eu vou fazer as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida!


Manuel da Fonseca

Jorge Moniz às 13:29 |