(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



morder
as imagens

 
pessoais
amadoras
profissionais
em movimento
brevemente
aqui



morder
as palavras

 
sentidas
no escuro
em busca
de tempo



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o passado

 
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sexta-feira, fevereiro 06, 2004





Está vento lá fora. Vejo-o por entre os ramos despidos das árvores de Janeiro. Está frio também, mas será menos do que aquele que eu sinto. Quando há pouco aqui estiveste, todo eu era as minhas mãos a tremerem. E o meu frio era saber que ias sair do quarto, que não te ia voltar a ver e querer guardar com força o teu rosto no meu olhar. O teu rosto e todos os teus rostos e todos os outros rostos que eu fixei. Porque o rosto tem o mistério de ser ao mesmo tempo o lugar mais exposto e mais íntimo do nosso corpo. É pela face que reconhecemos alguém e é na face que procuramos os indícios, certos ou errados, voluntários ou irreprimíveis, do que esse alguém pensa e sente. Somos icebergs de que as pontas visíveis são os nossos rostos.

Nesta manhã passou a vida inteira. Estive em Livorno com os meus pais e os meus irmãos. Sofri de uma pleuresia e de uma febre tifóide. Desisti da escola e aprendi a pintar. Fiz com a minha mãe uma viagem pelos museus de Florença e Roma. Fui a Inglaterra e vim para Paris. Esculpi enquanto pude e expus o que pintei. Tive uma exposição proibida por atentado ao pudor. Esta manhã bebi todos os dias a moeda que recebia por reles retratos de ocasião. Conheci o Pablo, o Henri e o Sebastien. Conheci também o Hector e queria falar das casas que ele faz mas já não tenho tempo. E conheci o Emmanuel, que faz banda desenhada muda assinando Caran d'Ache, que é igual a Karandach, que é "lápis" em russo, mas também já não tenho tempo de falar dele. E depois conheci-te a ti e fui pai. Nesta manhã passou a vida inteira. E é como se em toda ela estivéssemos nós os três.

O meu nome é Amedeu e estou sozinho neste quarto. Penso ainda umas linhas. Pergunto-me, por exemplo, se fui feliz. Tive uma vida curta, é certo, mas preenchida. Não é isto preferível a viver uma vida em branco, longa de penitências, para se ser feliz apenas enquanto velho, quando já pouco se pode aproveitar? A doença, as doenças acompanharam-me todos estes anos e quando não estava afogado em dores, estava imerso em álcool, mas posso-me responder que sim, que fui feliz. Uma felicidade triste. A felicidade é isso, a felicidade é um anjo com o rosto grave.

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Amedeo Modigliani morreu de tuberculose a 24 de Janeiro de 1920 com 35 anos de idade. No dia seguinte, a sua esposa grávida de 6 meses atirou-se do quinto andar onde moravam os seus pais.

Jorge Moniz às 11:54 |