(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



morder
as imagens

 
pessoais
amadoras
profissionais
em movimento
brevemente
aqui



morder
as palavras

 
sentidas
no escuro
em busca
de tempo



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o passado

 
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terça-feira, abril 20, 2004


Re-post um ano depois
(porque me lembrei, porque os leitores já são outros, porque... porque sim)

Era feliz. Ou achava que era. Mesmo não tendo aquilo que mais queria. Sentia-se bem apesar disso, o que era algo de novo. Procurava algumas explicações, mas nenhuma lhe parecia muito sólida. Talvez o conjunto delas.
Então chegou a notícia. A notícia. E aí percebeu que não tinha estado só aquele tempo todo. Tinha algo dentro de si que naquele momento desaparecia, deixando um vácuo sem possibilidade de ser preenchido. Nesse instante o tempo mudou. O dia ficou escuro, uma tímida e triste chuva fez libertar o cheiro da terra. Um arrepiante frio instalou-se.
Sentiu a pesada impotência de saber como ser feliz. E isso não depender de si.
Talvez não fosse muito difícil suportar melhor aquela notícia. Talvez houvesse um lado masoquista na sua reacção. Provavelmente.
E depois as memórias, as recordações. O que tinha sido. Mas, mais ainda, o que poderia ter sido. Tinha tentado tudo e o seu contrário. Apenas não aquilo que nunca fazia. E que talvez lhe mostrasse que as coisas dependiam mais de si do que pensava. Talvez isso fosse assustador.
Não estava bem em lado nenhum. Não tinha fome. Não tinha sono. Não lhe apetecia fazer nada e não parava de tentar descobrir o que fazer. Escrever sobre isso, nem pensar: era despir-se demasiado.
Um dia saiu de casa. Para a chuva. Para as ruas. Olhar as pessoas. Não. Memórias. Olhar mais alto, as casas. Não. Mais memórias. Fechar-se numa sala de cinema. Memórias também. Entrar nas lojas e comprar algo – terapia clássica. Ainda as memórias. Saltavam de todo o lado, das caras das pessoas, dos títulos dos livros, dos nomes das músicas. Tinha sido demasiado tempo e demasiado envolvimento. Todos os seus poros respiravam aquela lembrança.
E o que fazer? Tempo, a receita vulgar para apagar as memórias. Ou torná-las inócuas. Ou então tentar seguir em frente. Mas isso naquela altura parecia uma traição; como se afinal aquilo não fosse assim tão importante.
Dormir. Dormir dias a fio e acordar outra pessoa. Mas nem sequer conseguir adormecer.

Desistiu enfim e entregou o seu destino àquele que afinal era muito superior a ela e que afinal detinha todo o poder nas suas mãos. Não: na sua mão. A esquerda. A que segurava a caneta.

Ele recostou-se na cadeira e brincou com a caneta nos dedos. Olhou para a folha de papel pousada na mesa diante de si e para a pilha desarrumada um pouco mais ao lado. O destino dela já estava decidido há alguns dias e ela sabia-o. Foi o tempo de escolher o melhor modo de o concretizar.
Escreveu: "Um quinto andar não era muito, mas ela achou que seria suficiente. Dava tempo para rever todas as memórias apenas mais uma vez. Entre a janela e o chão."

Jorge Moniz às 21:18 |