|
|
sexta-feira, julho 02, 2004
Infância
A menina dos seus cinco ou seis anos (com calções cor-de-rosa) brinca na areia molhada. Baixa-se de cócoras, fecha todos os dedos da mão direita menos o indicador e com este desenha na areia uma curva pela esquerda e depois outra curva pela direita. Os pontos iniciais e finais de cada curva tocam-se - é um coração. A menina contempla o resultado durante dois ou três segundos, depois abre rapidamente todos os dedos e com a mão inteira apaga num rasgo o que acabou de desenhar. Ficam umas marcas ténues na areia (ficam sempre) e ela corre uns metros à frente. Baixa-se de joelhos, recolhe os dedos todos da mão direita excepto o fura-bolos e com ele desenha na areia um coração. A menina olha para a figura durante dois ou três segundos, depois estica a mão inteira e desfaz num ápice o que acabou de desenhar. Ficam umas marcas ténues na areia (ficam sempre). A menina não desiste e continua a desenhar e a apagar corações. E eu estou quase para lhe chegar ao pé e dizer-lhe que a perfeição não existe, dizer-lhe para não ser utópica, dizer-lhe para não querer mais do que é possível. Mas ela tem cinco ou seis anos e não ia perceber nada da minha conversa.
(fica no entanto aqui o aviso a todos os meus leitores com cinco ou seis anos (e calções cor-de-rosa ou azuis) que se venham a cruzar com ela daqui a muitos anos: tenham cuidado - pode ser daquelas que se apaixonam e desapaixonam enquanto a mão esfrega a areia; e será preciso esperar até ela um dia não abrir a mão para apagar os rabiscos que vai fazendo)
Jorge Moniz às 11:45 |
|
|
|