(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



morder
as imagens

 
pessoais
amadoras
profissionais
em movimento
brevemente
aqui



morder
as palavras

 
sentidas
no escuro
em busca
de tempo



morder
o passado

 
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sexta-feira, dezembro 24, 2004



Já não sei bem há quanto tempo estou aqui. Ou venho para aqui. Para este meu canto. Eu até encaixo bem. Ainda não parei de crescer, mas por agora as dimensões ajustam-se na perfeição. As costas encostadas à parede de um lado, os pés encostados à parede do outro, e uma perna, um braço (às vezes uma cabeça), encostados ao vidro frio da janela. É daquelas janelas que vêm até ao chão. Como se fosse uma micro-varanda, há uns 5 cm de cimento do lado de lá do vidro. E depois 10 metros na vertical até ao chão. Não, nunca tive vontade de saltar. Às vezes abro a janela, mas é no verão, por causa do calor. Desde que a Smartie não esteja no meu quarto, que eu tenho medo que ela salte ou caia.

A Smartie é a minha gatinha siamesa. É o único ser vivo que eu deixo entrar no meu quarto. Normalmente ouço a minha mãe pousar o tabuleiro com qualquer coisa para comer à minha porta, ouço-a fungar as lágrimas que desceram pelo nariz, espero um minuto, abro a porta devagarinho e recolho o tabuleiro para dentro.

De resto, tudo o que me interessa está aqui. Tenho uma casa-de-banho. Tenho uma televisão com uns 50 canais para ver à noite à média de 2 segundos cada um. Tenho um leitor de DVD. Tenho um roupeiro razoavelmente recheado. Tenho os meus livros que leio encostada à janela. Tenho o meu bloco de papel cavalinho onde desenho encostada à janela.

E às vezes, quando ponho o tabuleiro vazio no corredor, entra a Smartie com uns olhos tristes por me ver aqui. Eu acho que os meus pais e o meu irmão também devem ter os olhos tristes pela mesma razão, mas nunca os vejo e não penso muito nisso.

Hoje em especial eles devem achar que eu devia estar com eles lá fora. Para quê? Para ver circo na televisão? Para fazer conversa de chacha com os primos? Para fingir que estamos todos muito divertidos, quando o que eles querem é perguntar porque é que eu me fechei no quarto há 2 anos, 5 meses e 3 dias.

(eu disse que não me lembrava há quanto tempo estava aqui... pois...)

O mundo que vejo através do vidro não me faz mal, não me faz perguntas, não espera nada de mim, não tem pessoas que não compreendo. Nos livros e nos filmes tudo é explicado no fim. Há um narrador ou uma câmara omnipresentes. Na vida lá fora não. Não há ninguém que nos esclareça, que nos ajude. Estamos por nossa conta. A família e os amigos, já sei. Mas cá por casa nunca houve grande comunicação. É assim.

Agora pôs-se o meu irmão a imitar o Pai Natal à porta! É tão parvinho, já deve ter bebido 2 copos de Porto... Cheira-me a rabanadas... E estou a ouvir a Smartie a miar na cozinha com fome.
- Já vou!

Jorge Moniz às 11:13 |