(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



morder
as imagens

 
pessoais
amadoras
profissionais
em movimento
brevemente
aqui



morder
as palavras

 
sentidas
no escuro
em busca
de tempo



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o passado

 
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segunda-feira, março 14, 2005


...
Nas outras casas as pessoas acordavam ao som de um galo na vizinhança. Naquela não. Pombos. Eram os pombos que se encarregavam da tarefa, infelizmente sem formação prévia que os permitisse distinguir o sábado e o domingo dos outros dias da semana.
Com a primeira claridade do dia
(nem era preciso já haver sol)
, voavam juntos para o beiral
(essa era outra diferença: em vez de um só galo, havia vários pombos)
e começava o barulho.
Em manhãs mais irritadas, ela
(a que dormia no quarto com a janela com o beiral com os pombos)
levantava-se irada e abria as janelas com força. Eles competentemente assustavam-se, fugiam e voltavam passados uns minutos. Com sorte, ela já tinha voltado a adormecer por essa altura.

Certa manhã, daquelas de fim-de-semana em que ela
(aquela que dormia no quarto com a janela com o beiral com os pombos)
acordou irritada com o barulho dos pombos, resolveu fazer arrumações em casa. E foi assim que descobriu uma velha flor de papel
(em tons laranjas e vermelhos)
que sempre estivera no seu quarto de menina em casa dos pais. Nunca lhe tinha atribuído grande importância, mas agora fazia-lhe lembrar as flores de papel que as pessoas de uma aldeia ali perto
(perdida na serra)
faziam.
E então, nessa tarde mesmo, foi lá. Perguntando de porta em porta quem teria feito aquela flor de papel em particular
(com tons laranjas e vermelhos)
conseguiu chegar à casa de um velho senhor, que ao vê-las as reconheceu com um largo sorriso.
(embora ela não se lembrasse de alguma vez o ter visto)
Contou-lhe ele que o pai dela em todas as ocasiões especiais oferecia uma flor à mãe dela. Sempre flores verdadeiras. E assim também deveria ter sido no dia do nascimento da primeira e única filha. Só que aconteceu que o parto foi prematuro e em dia de forte temporal. Naquele tempo e naquelas condições, era impossível sair daquela casa e ir mais longe do que à aldeia onde as pessoas faziam flores de papel.

A flor de papel agora está sempre bem visível ao lado da janela e pode precisar de ser repintada ou passada a ferro, mas nunca vai morrer.


(às vezes também havia dois cães junto à mercearia do rés-de-chão que entravam em aceso diálogo e a acordavam)

Jorge Moniz às 13:04 |