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sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Pão quente
Ela tem a idade do meu pai, mas parece ter mais 20 anos. Desde que me lembro que me parece velha e acabada. É a vida que faz a cara das pessoas e ela teve pouca sorte: marido alcoólico e violento, filhos ingratos, pobreza generalizada. Em tempos idos chegou a fazer limpezas em nossa casa e na escola da minha mãe. Uma das filhas foi a minha ama. Nunca me esqueço da fotografia que temos os dois sentados num barco de pescadores e do raspanete que a minha mãe lhe deu quando a apanhou a namorar debruçada no muro em vez de estar a tomar conta de mim. A senhora sua mãe é daquela espécie rara de pessoas que são extremamente religiosas e cumprem o que ouvem na igreja em termos de uma absoluta falta de maldade, fazer o bem sem olhar a quem, dar a outra face, em suma tudo o que na sociedade hoje em dia se chama ser otário. Pelos trabalhos que a minha mãe lhe foi arranjando a ela e à filha, pelas nossas roupas em segunda mão que lhes são oferecidas e o mais que houver, ela demonstra sempre uma eterna gratidão, nunca se esquecendo de uma data de aniversário da nossa família. Mas muito melhor do que qualquer presente que ela possa dar, é o pão que coze no forno. Faz sempre um a contar connosco e trá-lo embrulhado num pano para conservar o calor. Quando eu e a minha irmã estamos, mesmo que tenhamos acabado de almoçar ou jantar, corremos a buscar a faca, a lutar para ver quem fica com a "maminha" e regalamo-nos com a manteiga a derreter naquele pão ainda bem quente. Quando penso na idade da senhora, lembro-me que provavelmente nenhum dos filhos aprendeu a cozer o pão daquela maneira e que ninguém o continuará. E lembro-me que, tal como a minha avó, ela diz sempre o meu nome com um "z" no lugar do "g".
Jorge Moniz às 20:12 |
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