(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



morder
as imagens

 
pessoais
amadoras
profissionais
em movimento
brevemente
aqui



morder
as palavras

 
sentidas
no escuro
em busca
de tempo



morder
o passado

 
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sábado, março 24, 2007


Astros
Somos planetas sem um sol à volta do qual rodar.
E assim andamos à deriva, por vezes mais a direito, parecendo decididos, confiantes; por vezes às voltas, parecendo indecisos, inconstantes; mas sempre tentando descobrir um caminho aqui e ali. Ocasionalmente a atracção universal entre os corpos faz com que um ou vários planetas se aproximem de nós. Então fazemos um percurso em comum, até a gravidade fraquejar ou aparecer outra força mais forte que nos faça desviar do caminho. Há pessoas, planetas, com quem passamos a vida toda, a uma distância maior ou menor. Há amizades que são sólidas em contactos quase anuais e durarão décadas; outras que são intensas, sedentas e se esfumam num ápice. E quem diz amizades diz outro tipo de relações. Porque quanto mais depressa os planetas se aproximam, mais facilmente podem fazer ricochete e afastar-se. Se os caminhos forem quase paralelos, a aproximação é lenta e o trajecto em comum mais prolongado.
Fora deste simplismo bimodal, há aquelas pessoas que em dada altura fazem uma parte do caminho connosco e depois desaparecem. Ou desaparecemos nós. Sem razão aparente. Porque é assim e nem todas sobrevivem ao tempo. Ou porque quando nos conhecemos havia um alinhamento especial dos planetas que se perdeu.
Só que a água não passa duas vezes por baixo da mesma ponte, mas pode passar por baixo de outra ponte. Às vezes há reencontros e os mesmos planetas podem percorrer novos percursos juntos. Entre órbitas mútuas e múltiplas, derivamos menos do que julgamos.

Jorge Moniz às 10:54 |



quarta-feira, março 07, 2007


Traquina
A nega sempre foi traquina. Quando era neguinha era tão traquina que pagava pelas partidas que pregava e pelas que não pregava. Um dia, na escola, o colega da carteira de trás não parava de lhe puxar o cabelo. Mesmo na nuca onde dói mais. Ela disse à professora uma e outra vez e a professora sempre a ameaçá-la e não ao colega. Até que ela se fartou e atirou o colega ao chão com um soco. As marcas do castigo de joelhos em cima do sal ainda hoje são visíveis.
O que eles não sabiam é que ela, a neguinha, já tinha aprendido a ler antes de ir para a escola. Na casa onde a sua família trabalhava havia muitos livros e ela, traquina, foi aprendendo aqui e ali, com a ajuda da matriarca da família. Pela altura em que já lia livrinhos de BD, andava a patroa com um livro de lombada grossa. Tinha uns 10 cm de altura de páginas. A neguinha maravilhada com o tamanho daquele livro, com o tempo que demorava a ler, a patroa maravilhada com o conteúdo proibido. Um dia a neguinha conseguiu pôr os olhos na capa do livro. Entre outras palavras grandes que não conseguiu ler, havia a palavra "sexo". A neguinha era nova demais para saber o que isso era, mas levou o livro com ela. Traquina.
Andava na rua a brincar quando a senhora gritou da porta "onde está o livro que eu tou lendo?". Ela respondeu com voz de 20 metros de distância "o de sexo?". A senhora colou vertical o dedo indicador nos lábios com ar assustado (na época essa palavra não se dizia em voz alta). A neguinha insistiu "o de sexo? o de sexo?".
As marcas desse castigo também ainda as tem hoje, mesmo depois das marcas que deixam dois maridos, dois filhos e milhares de quilómetros (ou anos) de viagem.

Jorge Moniz às 20:50 |