(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



morder
as imagens

 
pessoais
amadoras
profissionais
em movimento
brevemente
aqui



morder
as palavras

 
sentidas
no escuro
em busca
de tempo



morder
o passado

 
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sexta-feira, junho 27, 2003



De cada vez que eu lá ia, encontrava-o. Sempre com o mesmo casaco castanho, ruço de uso, a mesma mochila aos pés, castanha. Da mochila saía invariavelmente uma agenda daquelas oferecidas pela empresa ou pelo banco. E um lápis amarelo com marcas de dentes na parte de cima. Durante uns segundos rolava o lápis amarelo nos dedos da mão direita, enquanto lia algo na agenda. Depois, por mais uns segundos, segurava o lápis amarelo nos dentes, enquanto folheava com os dedos da mão direita as páginas da agenda.

Nunca escrevia nada. Aliás, na agenda tudo estava escrito a caneta azul. Nas vezes em que estive mais próximo, pude aperceber-me de que era uma caligrafia alongada, ligeiramente inclinada para trás. Quase todos os dias tinham algo escrito - duas, três linhas. Parecia mais tratar-se de frases do que de listas de tarefas. Como se fosse um pequeno diário.

Um dia, a curiosidade venceu o pudor e sentei-me ao lado dele. Não falei logo. Quis aproveitar lentamente o momento, saboreando mais alguns detalhes. Ele folheava a agenda de trás para a frente, o que dificultava a minha tentativa discreta de ler algo que me ajudasse a perceber. Penso que terá notado o meu olhar, pois só parou na capa, onde estava naturalmente escrito o ano a que dizia respeito. E esse ano era cinco anos antes daquele ano em que estávamos.

Respirei fundo e falei-lhe. Desculpei-me pela ousadia, mas que realmente precisava de saber de quem era aquela agenda e o que continha. Ele ouviu-me de cabeça baixa, os olhos na agenda. Depois levantou e rodou a cabeça. Uns olhos fundos e inexpressivos fitaram-me por alguns instantes. A mão direita que segurava o lápis amarelo com marcas de dentes na ponta começou a tremer. Voltou a olhar para a agenda, guardou-a dentro da mochila, de seguida o lápis. Levantou-se, pôs a mochila às costas por cima do casaco castanho ruço de uso e saiu. Não o voltei a ver.

Ainda hoje, passados alguns anos, penso naquele homem. Penso nele todos os dias, ao anotar algo na minha agenda para o dia seguinte.

Jorge Moniz às 09:04 |