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sexta-feira, novembro 07, 2003
A primeira vez que me sentei a um piano não tinha braços para chegar aos extremos do teclado (e muito menos pernas para chegar aos pedais). O problema era que não me interessava tocar de ouvido uma melodia qualquer à volta do Dó central como os meninos dotados e muito menos esborrachar acordes de cinco notas seguidas como os outros meninos. Por alguma estranha razão, a única coisa que me apetecia fazer era tocar na nota mais grave e na nota mais aguda. Acho que isso já era um sinal da minha necessidade de saber sempre os limites daquilo onde me movo. De qualquer maneira, nesse dia consegui chegar àquelas duas teclas porque estava sentado num banco corrido, no qual deslizei de uma ponta à outra.
Alguns anos mais tarde, já com os braços maiores, comecei a aprender a sério num outro piano (aí não tinha era palmo para as oitavas). A tendência continuava lá porque não me cansava de correr o teclado todo com as escalas do Hanon. O que não quer dizer que fosse um estudante aplicado, longe disso: tinha muito pouca paciência para a mão esquerda tal como escrita na pauta e assim que a minha tia ia tratar dos cães e dos gatos eu inventava acompanhamentos mais simples para a Marcha Turca ou o Für Elise. Só nunca me atrevi a modificar a Rêverie de Schumann - não era preciso e daria cabo da música.
No entanto sempre lamentei não ter estudado no primeiro piano. Porque era de cauda e era preto. Claro que o som não se comparava ao do piano vertical e castanho, mas na altura eu não sabia distinguir. A questão era puramente estética e de poder: dominar os dois metros de um piano de cauda (preto), onde nem se podem meter bibelots e naperons em cima.
Jorge Moniz às 09:56 |
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