(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



morder
as imagens

 
pessoais
amadoras
profissionais
em movimento
brevemente
aqui



morder
as palavras

 
sentidas
no escuro
em busca
de tempo



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o passado

 
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terça-feira, fevereiro 03, 2004





Foste tu que nos apresentaste, Pablo. Na altura pensaste que era só mais uma. Mais uma estudante da Academia que um de nós iria conhecer melhor do que o outro. Certo, eu não era propriamente casto com as mulheres, mas a tua volatilidade ficava muito longe da minha vontade.

Tratei-te agora por Pablo, mas entre nós eras mais conhecido como "o génio". Eu que sou bastante comedido com os elogios, hesito claro neste qualificativo, mas reconheço-te algo característico de todos os génios: surpreendes-me com isto que adoro e aquilo que detesto, invertendo-se as opiniões ao trocarmos de observador.
Por vezes divertes-te a recortar pedaços de papel colorido ou de jornais e a colá-los. É diferente, concedo, mas nem sempre gosto do resultado. Prefiro de longe quando toureias uma tela de pincel em riste. Vejo-te como um matador. Vais à frente, deixas um traço, uma razia, vens atrás, olhas, vês o resultado e de novo investes. Vejo-te em bicos de pés. Avançando e recuando em pequenos saltos, largos gestos e um olhar louco. Vejo-te essa madeixa inquieta, ironicamente parecida com a de um frustrado pintor alemão, que combateu discreto nesta guerra e que, como a discrição não lhe vai muito, talvez venha a causar uma outra. E tu talvez ainda venhas a pintar o que os seus aviões irão fazer nalguma cidade do teu país.
A tua loucura, essa, não passa de ataques passageiros de mau-génio e é invariavelmente aliviada nas tuas mulheres. Que ainda assim te continuam, continuarão a amar. E imagina tu que daqui a um século, nas mesmas terras civilizadas em que nascemos, cenas destas continuarão a repetir-se e maridos pedirão o mesmo perdão que tu pedes e mulheres darão o mesmo perdão que te é dado, porque desta vez vai ser diferente, juro, e se te bato é porque te amo.

Vejo-te como um prisma que é capaz de separar esses momentos de dor e amor em cores, frios azuis nuns casos, quentes rosas noutros e são estes enfim que eu prefiro, sim.

Tu apresentaste-nos e eu soube. Cá dentro. Durante dias tentei desenhá-la de memória, sem sucesso. O riso dos seus olhos, o brilho dos seus lábios, para isso não havia pigmentos, não havia técnicas. A sedução deve vir antes da paixão, senão esta atrapalha aquela, e eu apressei-me então a voltar a encontrá-la e convidá-la para ir conhecer o atelier. O que dissemos, fizemos, sentimos ficou só para nós. Cá dentro.

(Ela pega no trapo ensopado de água morna que caiu ao chão. Torce-o para uma bacia. Encharca-o de novo em água fresca. Deixa pingar o excesso. E volta a deixá-lo na minha testa.)

Eu soube e sabia que ia ser diferente e tu achaste e achavas que tudo iria ser igual. Expliquei-te que para mim a fidelidade não é ao compromisso, é aos sentimentos. Não é ter uma relação com uma mulher que me faz desviar o olhar de outras; é amar uma mulher, mesmo que nem a conheça. Depois quiseste ser protector e falaste-me da cegueira, da fragilidade do coup de foudre e de novo estavas enganado, pois isso não é importante: podia bem ter sido algo amadurecido. Todos temos a fantasia do amor ao primeiro olhar, ao primeiro gesto, às primeiras palavras, mas ele não é menos genuíno se for crescendo ao longo do tempo. Não interessa o caminho. Ao ser assumido e consumado, é irrelevante se nos conhecemos ontem ou há dez anos. Nesse instante tudo é novo e tudo é maior que tudo. Todo o mundo ao longo do tempo já atravessou todos os sentimentos que nós ainda não conhecemos. Mas quando os sentimos, somos os primeiros.

Jorge Moniz às 09:39 |