(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



morder
as imagens

 
pessoais
amadoras
profissionais
em movimento
brevemente
aqui



morder
as palavras

 
sentidas
no escuro
em busca
de tempo



morder
o passado

 
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quinta-feira, fevereiro 05, 2004





Na altura nunca soubémos porque tinhas vindo de Londres para Paris. Não gostavas de falar disso, querias passar despercebido. Fechado no teu quarto, escrevias e escrevias e repetias que o objectivo da arte é revelar-se a si própria e ocultar o artista. Mas rapidamente a tua excentricidade foi mais forte e começou a falar-se em surdina de um tal Sebastien, escritor de cabelos compridos que enche o quarto, imagine-se, de girassóis e penas de pavão. A origem da inconfidência estava, claro, na porteira portuguesa do teu prédio. Não viveste o tempo suficiente para sofrer com a inconveniência.

Entre nós, muitas vezes falámos do acto criativo, seja da arte escrita, como era o teu caso, da arte plástica, como era o meu, ou mesmo da arte musical. Concordávamos na existência de duas fases necessárias à criação. Uma de vivências, de assimilação de experiências; e outra de isolamento, em que se processa, mais ou menos conscientemente, o vivido, para então o exprimir de algum modo.
Os ritmos é que podem ser muito diferentes. Há escritores e compositores que se isolam durante meses para produzir uma obra e depois estão outro tanto tempo aparentemente sem fazer nada. Outros hão com ciclos mais curtos. Diários mesmo. Como os pintores que à noite se divertem com as mulheres que de dia pintam.
Ou daqui a umas décadas, talvez inventem umas máquinas chamadas computadores e talvez inventem uma rede a ligá-los todos - e na tua língua vão chamá-la internet - e depois talvez inventem uns diários de bordo publicados nessa rede - e na tua língua vão chamá-los weblogs, ou blogs para ser mais curta a curta palavra. E haverá autores desses diários de bordo que têm a sua profissão convencional, o seu copo com os amigos, a sua ida ao cinema e depois, sós no silêncio da noite, abraçam uma caneta, um lápis, uma pena, ou simplesmente batem num teclado.
Mas o que se mantém em todos os casos é a necessidade de beber experiências para depois as transmitir. Sem isso não sai nada. Memórias nostálgicas, se tanto.

Entre nós, não falávamos de mulheres. Nunca liguei muita importância ao facto enquanto foste vivo: há inúmeras razões para se estar sozinho, voluntariamente ou não. Depois da meningite te levar, vieram os rumores, os boatos. Foi mais uma vez a porteira portuguesa do teu prédio, que contou à porteira portuguesa do meu prédio, que contou à estudante francesa, que agora ajeita a almofada ao pintor italiano e que lhe contou os rumores, os boatos. Diziam que o teu verdadeiro nome não era Sebastien, era Oscar. Diziam que eras casado e pai de dois filhos. Diziam que tinhas passado dois anos preso por um caso de sodomia. E diziam muitas mais coisas de que me esqueci ou de que me quero esquecer. Percebi então com outro alcance o teu lema de que o melhor meio de resistir à tentação é ceder-lhe.

Que posso eu dizer agora? Que não me interessa qual era o teu verdadeiro nome. Que isso não diz nada do passado agora, quando muito do futuro quando foi escolhido. Como a história da Violeta que, daqui a uns anos, abrirá aqui na Rua Mouffetard uma loja de flores e cá vai ficar pelo menos quatro décadas, oferecendo a passantes frequentes e ocasionais o seu sorriso de florista. E para mais ela será ruiva, o que irá muito bem com as flores em geral, as violetas entre elas (já histórias diferentes poderão contar as Rosas e as Margaridas). Mas tu deixaste-nos o que escreveste e isso é independente do teu nome, afinal, qual é a importância de se chamar Sebastien, Oscar, ou mesmo Ernesto?

Jorge Moniz às 06:37 |