(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



morder
as imagens

 
pessoais
amadoras
profissionais
em movimento
brevemente
aqui



morder
as palavras

 
sentidas
no escuro
em busca
de tempo



morder
o passado

 
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segunda-feira, fevereiro 02, 2004





O meu nome é Amedeu. Não é um belo nome, bem sei, mas em Itália, de onde eu venho, até não soa mal.
Não sei porque comecei por me apresentar com o meu nome. É o que toda a gente faz, mas o nome não diz nada de si. Se eu me chamasse Francesco ou Giuseppe era a mesma pessoa. Acho. Há quem tente associar o nome de alguém à sua personalidade. Eu admito que possa haver alguma relação, porque os pais que escolhem o nome do filho são os mesmos que o educam. Há pelo menos a questão estética da escolha.

Podíamos apresentarmo-nos pela nossa profissão: "Bom dia, sou carpinteiro." Sempre era mais esclarecedor. Tirando os casos das pessoas que não escolhem a sua profissão, em que aí talvez ficássemos a saber mais sobre os seus pais do que sobre elas próprias.

De qualquer maneira, começar pela profissão não me ajuda nada, porque eu ainda não tenho profissão. Nem sei bem o que quero fazer. Sei que gosto de pintar. E é só. Os meus irmãos escolheram cedo as suas profissões: o mais velho é advogado e o outro é engenheiro. Os dois foram excelentes alunos ao contrário de mim, que abandonei o liceu em Itália e vim para Paris um pouco à aventura...
(É verdade, tenho 16 anos - não sei se é um dado relevante.)
A minha irmã ficou a fazer companhia à mãe e à avó lá em casa; o pai passa muito tempo a tratar dos negócios de carvão na Sardenha. Quando o meu irmão começou a trabalhar lá com ele, eu algumas vezes também apanhava o barco. Ele enjoava um bocado, mas eu gostava do passeio, gostava de ver os tons de azul do Mediterrâneo mudarem com a ondulação do mar ou com a posição do Sol.

Quando cá cheguei, fiquei num hotel lá em baixo e inscrevi-me em algumas aulas de desenho. Passadas umas semanas decidi vir para a colina, A Colina. Ou outeiro, como eles lhe chamam aqui. Butte, em francês, que soa igual a but, objectivo, fim, termo, golo, alvo. A colina é tudo isso. E ainda refúgio, boémia, aldeia, íntima, secreta.


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E não há mais nada. Foi a única página que escrevi na minha tentativa de diário de juventude. Felizmente! Ridícula aquela sucessão de significados armada em literatura! A escrita não é de todo o meu forte, nunca foi, mas voltar a ler isto, agora que pouco mais posso fazer preso na cama, teve o mérito de me fazer lembrar deles.
Foi nessa colina de Montmartre que, entre um cigarro e um copo, conheci o Pablo, o Henri, o Sebastien e tantos outros. Ou, como eu teria dito então, um pintor, um desenhador, um escritor e outros tantos. Hoje naturalmente sei que se um homem não é o seu nome, também não é a sua profissão. Nós, aqueles homens, entre um copo e um cigarro, falávamos da vida, das artes, da política e das mulheres, claro. As que pintávamos, desenhávamos, descrevíamos e as outras. As que amávamos. Quando não eram as mesmas.



Jorge Moniz às 12:02 |