segunda-feira, fevereiro 02, 2004
O meu nome é Amedeu. Não é um belo nome, bem sei, mas em Itália, de onde eu venho, até não soa mal.
Não sei porque comecei por me apresentar com o meu nome. É o que toda a gente faz, mas o nome não diz nada de si. Se eu me chamasse Francesco ou Giuseppe era a mesma pessoa. Acho. Há quem tente associar o nome de alguém à sua personalidade. Eu admito que possa haver alguma relação, porque os pais que escolhem o nome do filho são os mesmos que o educam. Há pelo menos a questão estética da escolha.
Podíamos apresentarmo-nos pela nossa profissão: "Bom dia, sou carpinteiro." Sempre era mais esclarecedor. Tirando os casos das pessoas que não escolhem a sua profissão, em que aí talvez ficássemos a saber mais sobre os seus pais do que sobre elas próprias.
De qualquer maneira, começar pela profissão não me ajuda nada, porque eu ainda não tenho profissão. Nem sei bem o que quero fazer. Sei que gosto de pintar. E é só. Os meus irmãos escolheram cedo as suas profissões: o mais velho é advogado e o outro é engenheiro. Os dois foram excelentes alunos ao contrário de mim, que abandonei o liceu em Itália e vim para Paris um pouco à aventura...
(É verdade, tenho 16 anos - não sei se é um dado relevante.)
A minha irmã ficou a fazer companhia à mãe e à avó lá em casa; o pai passa muito tempo a tratar dos negócios de carvão na Sardenha. Quando o meu irmão começou a trabalhar lá com ele, eu algumas vezes também apanhava o barco. Ele enjoava um bocado, mas eu gostava do passeio, gostava de ver os tons de azul do Mediterrâneo mudarem com a ondulação do mar ou com a posição do Sol.
Quando cá cheguei, fiquei num hotel lá em baixo e inscrevi-me em algumas aulas de desenho. Passadas umas semanas decidi vir para a colina, A Colina. Ou outeiro, como eles lhe chamam aqui. Butte, em francês, que soa igual a but, objectivo, fim, termo, golo, alvo. A colina é tudo isso. E ainda refúgio, boémia, aldeia, íntima, secreta.
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E não há mais nada. Foi a única página que escrevi na minha tentativa de diário de juventude. Felizmente! Ridícula aquela sucessão de significados armada em literatura! A escrita não é de todo o meu forte, nunca foi, mas voltar a ler isto, agora que pouco mais posso fazer preso na cama, teve o mérito de me fazer lembrar deles.
Foi nessa colina de Montmartre que, entre um cigarro e um copo, conheci o Pablo, o Henri, o Sebastien e tantos outros. Ou, como eu teria dito então, um pintor, um desenhador, um escritor e outros tantos. Hoje naturalmente sei que se um homem não é o seu nome, também não é a sua profissão. Nós, aqueles homens, entre um copo e um cigarro, falávamos da vida, das artes, da política e das mulheres, claro. As que pintávamos, desenhávamos, descrevíamos e as outras. As que amávamos. Quando não eram as mesmas.
Jorge Moniz às 12:02 |
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