quinta-feira, setembro 09, 2004
Quando o interroguei sobre as suas experiências como escravo, ele meditou nas palavras durante muito tempo.
- É qualquer coisa como uma pedra por dia, John - respondeu finalmente.
- Não percebo.
- Não sei se consigo explicar tudo o que significou para mim, mas para já vou dizer-te apenas isto... o patrão entrega-te uma pedra todos os dias e tu aceitas e mete-la no teu bolso. Fazes isso muito, muito cuidadosamente, porque não queres que ele se zangue. Mas, John, depressa ficas sem bolsos. Mas não tens licença para as pousar no chão, por isso, o que é que fazes?
- Não sei.
- Começas a engolir as pedras. O teu estômago depressa fica cheio e tu começas a ficar doente e por isso deitas-te. Só um dia de descanso, pensas tu, e tudo ficará melhor. Mas o patrão continua a dar-te pedras. Porque ele meteu o seu dinheiro em ti e resolveu que não quer esperar nem um só dia que tu recuperes as forças. Tu dizes não, porque julgas que podes. Por isso, ele chicoteia-te; o que faz com que fiques confuso-confuso, uma vez que não sabes como viver uma vida onde não podes decidir nada. Nem sequer o Louva-a-deus te pode dizer como fazer isso. Ao fim de poucos meses, o teu espírito está tão pesado com as pedras que já nem consegue pôr-se de pé. Por isso, como és bondoso, deitas o teu espírito. E deixas que ele seja coberto de pedras até não conseguir respirar nem mexer-se.
- Então, quer dizer que estás enterrado vivo - disse eu.
- Exactamente, John, mas só com uma pedra de cada vez.
Richard Zimler, in "Meia-Noite ou o Princípio do Mundo"
Jorge Moniz às 14:07 |
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