domingo, janeiro 21, 2007
Trânsito lento
Rotinas. Algo na sua infância o devia explicar, mas era viciado em rotinas. Pendurava a roupa por zonas no estendal, as meias de um lado, as camisas do outro, os lençóis no meio. Contava sempre as meias ao tirar a roupa da máquina, para verificar se estavam em número par. Os talheres na mesa eram alinhados ao milímetro, as cadeiras sempre encostadas. O pó era limpo diariamente. O caminho para o trabalho era sempre o mesmo, a padaria também, os dois pães de centeio matinais idem. Nada perturbava a rotina, excepto certa caixa de hipermercado, de pele branca, olhos azuis e ar de quem não devia estar ali. Fazia-o ir às compras quando não precisava de nada, apenas para ver se ela lá estava. Nesse caso, escolhia sempre a fila dela, mesmo que demorasse mais tempo. No dia em que na padaria não houve, pela primeira vez em cinco anos e três meses, os dois pães de centeio, ele respirou fundo e decidiu tentar meter conversa com ela na altura de pagar as compras que ainda não tinha decidido fazer. Enfiou-se no carro, passou pela primeira, pela segunda, pela terceira rotunda no caminho para o hipermercado. Na quarta rotunda um Honda Civic entrou-lhe pela porta dentro.
Jorge Moniz às 10:58 |
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