(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



morder
as imagens

 
pessoais
amadoras
profissionais
em movimento
brevemente
aqui



morder
as palavras

 
sentidas
no escuro
em busca
de tempo



morder
o passado

 
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segunda-feira, janeiro 29, 2007


Livros (incluindo a trilogia do Zimler)
Não sei quantos livros já foram escritos ao longo do tempo em todo o mundo.
[vamo-nos limitar a romances e afins]
Não sei quantos romances e afins já foram escritos ao longo do tempo em todo o mundo.
O que eu sei é que cada vez que começo a ler um livro tenho uma sensação de desconforto, de casa desarrumada, por estar a ler aquele livro antes de ler todos os que foram escritos antes. Porque assim não vou poder compreendê-lo em todos os seus níveis, perceber todas as fontes de inspiração, ou mesmo plágio, do autor.

Na primeira edição italiana de "O Nome da Rosa", Umberto Eco incluiu uma nota aos leitores que nunca mais apareceu. Nela dizia que o livro se dirigia a três tipos de leitores diferentes. O primeiro, leria o livro simplesmente como um romance policial histórico. O segundo, já mais cultivado, descobriria algumas piscadelas de olho ao presente existentes no livro. E o terceiro, reservado apenas aos especialistas em literatura, perceberia que este romance é tão só uma manta de retalhos de outros livros.
Eu consegui chegar em parte ao segundo tipo de leitor, mas apenas com batota: fui ao google depois de ler o livro. E descobre-se por exemplo que o par de protagonistas é inspirado em Sherlock Holmes: William of Baskerville é o nome do frade investigador, acompanhado de um ajudante curiosamente chamado Adzo, que também é o narrador, tal como Watson. Para mais, o tipo de inferências feitas na investigação é do mesmo género. Há uma homenagem a Jorge Luis Borges, chamando a um dos monges Jorge de Burgos, também cego. Há um pano de fundo baseado na história da Itália nos anos 70, que nos passa naturalmente ao lado. Há até uma citação anacrónica de Wittgenstein.
E depois o falso manuscrito. Que é o truque de num prefácio o autor nos querer convencer que tudo o que vai relatar é baseado num manuscrito que lhe veio parar às mãos. Entre outros, também o fizeram Cervantes no "D. Quixote" e recentemente Richard Zimler n"O Último Cabalista de Lisboa".
[e aqui finalmente cheguei à trilogia do Zimler]

Voltando ao início, passa-nos muita coisa ao lado por não lermos todos os livros do mundo pela ordem em que foram escritos. Naturalmente não há tempo. Talvez para uma selecção criteriosa. Na primeira parte das suas memórias (e por falar nisso não era má ideia que ele se despachasse com o resto), Gabriel García Márquez conta como no início da sua carreira como jornalista e escritor de contos, foi aconselhado a ler os clássicos, porque está lá tudo.

E ainda há o pequeno detalhe de termos lido bastantes livros em idades em que intelectualmente não podíamos apreender tudo. E quantas vezes os relemos? Por exemplo, o que é que eu sabia da sociedade portuguesa e europeia do século XIX quando li "Os Maias"? É bem provável que 90 % das ironias do Eça me tenham passado ao lado com uns 15 ou 16 anos.

Jorge Moniz às 21:49 |



quinta-feira, janeiro 25, 2007


Post chato
Entre nós e o mundo existem duas massas de tecido orgânico branco, chamadas olhos. Para vermos as verdadeiras formas e cores das coisas, precisaríamos de os arrancar, porque não sabemos se o que eles nos transmitem é verdadeiro. Os olhos são sólidos, a informação não entra directamente em nós.
Foi nesta linha que Platão desenvolveu a alegoria da caverna: um grupo de homens preso dentro de uma caverna, com vista apenas para a parede do fundo onde vêm silhuetas distorcidas e monocromáticas do mundo lá fora. Se eles estivessem ali desde nascença, o mundo era assim para eles: sombras, bidimensional. E se um deles fosse libertado, viesse cá fora e voltasse, seria considerado um louco pelos outros, ao ouvirem as suas descrições.
Aliás, isto está tudo no 2001 de Stanley Kubrick ou Arthur C. Clarke. E além da alegoria da caverna, com as cenas de imagens psicadélicas que simbolizam a verdadeira cara do universo, há a teoria da reminiscência, segundo a qual depois de morrermos atingimos a sabedoria total. Ao voltarmos a nascer esquecemos tudo e durante a vida não aprendemos, mas vamos lembrando (daí o ar altivo do feto sabedor que paira sobra a Terra no fim).
Tudo resumido numa frase, as aparências podem iludir. Há um episódio da Twilight Zone sobre isto: um casal que não percebe onde está e descobre que tudo à volta são objectos falsos, até descobrirem que foram raptados por extra-terrestres gigantes e agora são os brinquedos de uma criança, numa espécie de cidade Lego.
Ora quando alguns de nós, tal como a Sofia e o professor Alberto, desconfiamos que não passamos de personagens de um criador, de marionetas, instala-se a dúvida sobre a atitude a tomar: soltamos os braços e deixamo-nos levar pelos movimentos dos cordéis, ou tentamos controlar nós os acontecimentos? E neste segundo caso, o que pensamos fazer de livre vontade não poderá estar afinal também escrito?

Jorge Moniz às 22:35 |



domingo, janeiro 21, 2007


Trânsito lento
Rotinas. Algo na sua infância o devia explicar, mas era viciado em rotinas. Pendurava a roupa por zonas no estendal, as meias de um lado, as camisas do outro, os lençóis no meio. Contava sempre as meias ao tirar a roupa da máquina, para verificar se estavam em número par. Os talheres na mesa eram alinhados ao milímetro, as cadeiras sempre encostadas. O pó era limpo diariamente. O caminho para o trabalho era sempre o mesmo, a padaria também, os dois pães de centeio matinais idem.
Nada perturbava a rotina, excepto certa caixa de hipermercado, de pele branca, olhos azuis e ar de quem não devia estar ali. Fazia-o ir às compras quando não precisava de nada, apenas para ver se ela lá estava. Nesse caso, escolhia sempre a fila dela, mesmo que demorasse mais tempo.
No dia em que na padaria não houve, pela primeira vez em cinco anos e três meses, os dois pães de centeio, ele respirou fundo e decidiu tentar meter conversa com ela na altura de pagar as compras que ainda não tinha decidido fazer. Enfiou-se no carro, passou pela primeira, pela segunda, pela terceira rotunda no caminho para o hipermercado. Na quarta rotunda um Honda Civic entrou-lhe pela porta dentro.

Jorge Moniz às 10:58 |



quinta-feira, janeiro 18, 2007


As palavras e as guitarras
(falanges enferrujadas - escrever sobre a dificuldade em escrever é, no momento, difícil. Escrevo, apago, mudo, corrijo)

Que factores fazem com que em certas alturas haja uma maior facilidade em alinhar palavras do que noutras? Há a idade. Há a estabilidade emocional, ou a falta dela. Há a disponibilidade de tempo. Há a leitura de outras palavras. E há a vontade. Sendo que a vontade de escrever não implica que haja inspiração para o fazer. Já o contrário tende a ser verdade.

Na época áurea desta quitanga,
[repare-se no ego do autor]
eu encontrava-me a viver sozinho, numa cidade estranha, todos os dias aprendendo muito de uma cultura diferente, viajando de transportes públicos o que me permitia ler um livro por semana. Caldo apurado para escrever muito.
Neste momento tenho um emprego absorvente, por mérito próprio,
[mérito dele, o emprego]
portanto a menos que me ponha a escrever sobre questões técnicas ou organizacionais, há pouca fonte de inspiração.

A tese deste texto é que devemos forçar essa inspiração. Criar as condições. Há uns tempos conheci alguém que trabalha em música e ficou chocado ao saber que tendo eu tido formação e gosto, há muito tempo não limpo o pó ao teclado nem o verdete às cordas. A resposta comum é que as idades vão evoluindo, as responsabilidades mudam, o tempo disponível diminui. Irrelevante. Com uma boa gestão do tempo e vontade, conseguimos manter as actividades extra que nos dão um prazer particular. Basta fugir dos pretextos para a preguiça. E dos adiamentos.

Jorge Moniz às 22:03 |



segunda-feira, janeiro 15, 2007


Há quase dois anos que não escrevia aqui.
Muita coisa mudou entretanto. Mudei eu, mudaram as minhas circunstâncias, mudou o país à volta, até o mundo. Ou então não, está tudo igual. Qual é a importância dos pequenos eventos no curso global da história? Os historiadores fatalistas dizem que é nenhuma, os pirronistas dizem que é total.
Houve evoluções geográficas, profissionais, pessoais. E hoje, 15 de Janeiro, é dos dias mais importantes que já vivi.

Durante quase dois anos não escrevi aqui. Durante os dois anos anteriores fi-lo quase diariamente.
Quem esteve desde o início sabe que este espaço foi criado quando fui trabalhar para Paris. A ideia era manter o contacto com os amigos de uma forma diferente, cada um publicando pequenas notícias e acontecimentos do dia-a-dia. Os blogs estavam ainda a aparecer, a explosão viria alguns meses depois. Quando leio agora esses textos não deixo de sorrir com a ingenuidade das palavras.
Com o tempo, acabei por ficar só eu a escrever e a não escrever só crónicas de emigrante. Nunca consegui manter uma linha editorial restrita. Houve política, humor, desabafos, escrita criativa. E conheci pessoas por causa dessas palavras. Alguns portugueses em Paris, outros portugueses em Portugal. Criei laços que felizmente ainda mantenho.
Continuo a ler alguns blogs que lia nesse tempo. Sim, tenho continuado por aqui. Vou vendo como essa tal coisa da blogosfera foi evoluindo, nos vários registos. Há para todos os gostos, todos os temas, todas as cores. Ainda há dias me surpreendi quando num telejornal falavam de adolescentes que fazem nos seus blogs o culto da anorexia.
Já não é novidade. Já se sabe que há blogs de análise política e social que são referências, já se detectam os blogs de engate à distância e não se censura - é apenas mais um meio em que duas pessoas se podem conhecer. Já não se fazem aqueles debates e jantares sobre a novidade da coisa que se faziam no início.

(estes links que tenho aqui ao lado, a maior parte deles já nem deve existir. não sei se os vou alterar, o trabalho que me deu alinhá-los em frases)

Agora que sacudi o pó, abri as páginas e empunho a caneta, o que vou escrever por cá? Que tipo de coisas, dois anos depois, dois anos mais velho? Não sei. Vou rodando a caneta entre os dedos.

Jorge Moniz às 21:44 |



A casa-de-banho é por excelência um local de reflexão.
Há quem o consiga fazer também no caminho para o trabalho. Mas não é a mesma coisa. Se vamos de carro, há o rádio ligado. Se vamos de transportes ou a pé, há outras pessoas a observar e estudar.
No resto do dia temos o cérebro entretido, por isso aqueles minutos em que nos fechamos na casa-de-banho, de manhã, a meio do trabalho, à noite, são diferentes. Não há nada a fazer a não ser olhar para as paredes, contar azulejos, ou esfregar o sabonete. Tudo tarefas com que o cérebro pode lidar de forma inconsciente. E deixar a consciência saltar de neurónio em neurónio aleatoriamente. É na casa-de-banho que aparecem ideias novas, que nos lembramos de algo esquecido, que resolvemos um problema.
Nos tempos dos trabalhos de grupo na universidade, chegávamos a estar os quatro bloqueados em frente ao computador. Um colega meu tinha de ir à casa-de-banho e quando saía de lá uns minutos depois dizia "já sei".

Ontem durante o banho tive uma epifania. Vou ressuscitar o blog.
(só depois pensei se teria alguma coisa a dizer)

Jorge Moniz às 21:05 |



domingo, janeiro 14, 2007



Desfibrilador

Jorge Moniz às 11:18 |