(mordidas mansas)














(por vezes bravas)



morder
 
os legumes
e o cacau,
à beira-mar,
em dias
e dias
de enganos;
afundando
ao vento
cogumelos
duns e doutros;
sem nada
de nada
ao colo
e recortando
fotos
de cães.

sacudindo
dias
de conversas
no camarote.

comendo
causas,
políticas
e erros
de um lado
e do outro;
fixando
de repente
o que tem
a praia:
letras
e girafas.



morder
o mundo

 
todos os minutos
todas as horas
todas as semanas
em francês
e em inglês



morder
os sons

 
em 5 minutos
debaixo de água
conhecendo
lendo
sentindo
e comprando



morder
as imagens

 
pessoais
amadoras
profissionais
em movimento
brevemente
aqui



morder
as palavras

 
sentidas
no escuro
em busca
de tempo



morder
o passado

 
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sábado, junho 30, 2007



À medida que o tempo passa sobre a morte de pessoas próximas, como os nossos avós, há memórias que se perdem e outras que permanecem, que se tornam mesmo recorrentes.
Há uma mão cheia de episódios passados com o meu avô de que me lembro amiúde. Sendo naturalmente um homem de outra geração, em que a minha avó era doméstica e mãe de cinco, a divisão de tarefas em casa não tinha nada a ver com o que já vai acontecendo hoje.
Por exemplo, o meu avô não gostava das meias a apertar os tornozelos. Por isso, cada par que comprava entregava à minha avó para ela cortar os elásticos do cano da meia.
Mas noutras situações, ele ajudava. Certo dia assisti aos meus avós a fazerem a cama, um de cada lado. Disse-me o meu avô que duas pessoas a fazer a cama dava menos de metade do trabalho a cada uma do que se fosse uma única pessoa. Não precisamente metade, mas menos de metade. Eu era criança e fiquei a pensar naquilo, a contar as voltas à cama que uma pessoa sozinha tem de dar. Realmente era verdade. E à sua maneira era o próprio conceito de trabalho em equipa que se aprende hoje: trabalho em grupo é 1+1=2, trabalho em equipa é 1+1=3.
Lembro-me do meu avô uma vez por semana, ao entalar lençóis de trás para a frente.

Jorge Moniz às 21:43 |



domingo, junho 17, 2007



Antigamente a maioria das pessoas saía de casa dos pais para casar. Só viviam sozinhas quando enviuvavam (impressionante quantidade de v's numa frase). Por isso nunca criavam hábitos solitários. Hoje o mais normal é pelo menos um dos cônjuges (ou concubinos) ter passado alguns anos a morar sozinho.
Nesse período de tempo, decora-se uma casa ao seu gosto, sai-se e entra-se de casa quando se quer sem ter de prestar contas, faz-se barulho a qualquer hora da noite, pode-se ser maníaco da limpeza ou deixar acumular sujidade, é-se o único responsável e espectador, em suma, cultiva-se o ego (seja com -ismo ou -centrismo).
Depois destes anos, como é que se passa a conviver com alguém no mesmo espaço? Como compatibilizar gostos estéticos na decoração do espaço? Como se habituar ao ressonar do outro todas as noites? Ter uma insónia e não poder ligar o rádio? Não poder dormir atravessado? Terem de jantar (ou pelo menos tentar) a mesma coisa? E os canais de televisão? Apetecer passar umas horas sozinho e ter de sair de casa para o fazer? Pior: ter de explicar bem porquê e talvez aturar desconfianças (a um pequeno passo de cada um começar a espiar as sms's do outro). Não esquecendo, claro, os clichés verdadeiros da tampa da sanita levantada e da pasta de dentes apertada no meio (qualquer pretexto serve).
Durante esses anos de "solidão" não se desenvolveram, antes pelo contrário, as capacidades de compromisso e cedência para um bem comum. Perde-se adaptabilidade. E essas pessoas com certeza irão ter mais dificuldades do que os outros. Alguns com capacidade financeira para isso, optam pelo together apart. Os outros ou conseguem ou não. Tão simples quanto isso. Mas há quem consiga. Claro.

Jorge Moniz às 11:38 |